COP28 - Reunião Ministerial sobre Urbanização e Mudanças Climáticas. Dubai - Emirados Árabes Unidos. (Foto: Estevam/Audiovisual/PR)

Nos últimos anos, estamos percebendo de forma bastante clara como as questões climáticas vêm influenciando o xadrez geopolítico global. A Síria é um possível exemplo: entre 2006 e 2010, uma seca transformou quase 60% do país em deserto, e até 2009, as dificuldades climáticas mataram até 80% do gado do país. Um movimento em massa de agricultores para as cidades, aliado à incapacidade das instituições sírias para lidar com o êxodo rural e às tensões étnicas existentes, foi o catalisador de uma guerra civil que se arrasta até hoje.

Nas últimas duas décadas, os preços mais elevados dos alimentos – causados em grande parte pelas mudanças climáticas, cheias, enchentes ou secas – têm sido claramente associados a diversos conflitos internos em dezenas de nações, como os protestos alimentares na África Subsaariana entre 2007 e 2008, ou na América Latina desde então.

O aumento dos riscos climáticos intensifica a busca por recursos naturais escassos e vitais, como peixes, terras cultiváveis ou fontes de água. O peso de uma demografia global crescente também contribui por essa corrida aos recursos que, outrora, foram abundantes. Paralelamente ao aumento dos riscos climáticos, estamos presenciando o surgimento de uma ordem global em que os riscos geopolíticos e climáticos deverão aumentar as tensões entre as nações.

É nesse turbulento contexto que testemunhamos com muita tristeza os efeitos das enchentes sobre o Rio Grande do Sul. A situação atual pela qual passam os gaúchos, no entanto, não é surpresa: como em todo filme de catástrofe que se inicia com governantes ignorando as previsões da ciência, as cheias no sul do país já haviam sido alertadas por pesquisadores, que afirmavam como as mudanças climáticas poderiam destruir o cenário típico do estado. Ainda em 2021, uma reportagem da jornalista Bibiana Davila que entrevistou acadêmicos e estudiosos da área, já anunciava uma piora nas tempestades e no prejuízo advindo das possíveis enchentes.

Foi também em 2021 que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC) apontou como as consequências de um leve aumento da temperatura global podem ser absolutamente catastróficas para países e populações – e, desde então, vivenciamos ondas extremas de calor e poucos episódios de frio. No ano passado, esse mesmo relatório reforçou que a maior parte das mudanças climáticas no Rio Grande do Sul estava sendo causada pela ação humana.

Aos alertas feitos sobre as mudanças no clima daquele estado somam-se outras centenas, que mostram como o planeta como um todo está chegando ao ponto de não retorno: independentemente de nossos esforços, nada será suficiente para recuperarmos o planeta e mantermos nossas vidas como eram antes.

Ignorados os alertas, chega a hora de contar os prejuízos. O maior deles, o das vidas. Mães, pais, filhos, netos e avós enfrentam uma dor incomensurável, ecoando e sendo sentida por corações em todo o país. Os prejuízos econômicos, embora superáveis, também terão impacto em todo o território nacional: o RS é responsável por cerca de 70% da produção nacional de arroz, um item indispensável da cesta básica, que agora precisará ser importado em um momento de dólar caro e inflação elevada. A soja e a carne bovina, também muito cultivadas no estado, tiveram uma notória redução na oferta. Os laticínios também indicam aumento de preço. Considerando que agora a tragédia já aconteceu, será que teremos políticas públicas para evitar que essas dores se repitam?

João Alfredo Lopes Nyegray* - Créditos: divulgação

*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray